Ação e omissão.
Zenóbio Oliveira.
Era um domingo. Dia de feira na cidade em que moro. O mercado estava entupido de gente, não dava nem pra andar. Calor, confusão de vozes, burburinho. Combinei com minha mãe que ia lhe esperar na bodega de Leôncio. Ela disse que precisava passar na banca de Antonia Boi para pegar as bananas. Prometeu que vinha logo. Fui para o local combinado e fiquei lhe aguardando na calçada. A bodega também estava atopetada de fregueses.
Daí a pouco chegaram dois homens em uma carroça. Era Seu Pedro do Alecrim e o filho – cidade pequena todo mundo conhece todo mundo. Seu Pedro desceu do veículo e adentrou a mercearia, enquanto seu filho manobrava estrategicamente a carroça, no intuito de aproximá-la o mais que pudesse do estabelecimento. Nesse momento eu estava junto á porta. Foi quando escutei um gemido de esforço. Olhei para o interior do comércio e vi Seu Pedro se debatendo pra colocar uma saca de farinha na cabeça. Para se ter uma idéia uma saca equivale a sessenta quilos e aquele senhor já devia ter passado desse número em idade. Era natural, portanto, que lhe faltassem forças para a consumação do ato.
O pobre homem tropicava em seus próprios pés. Lá e cá, cá e lá. Apressei-me em socorrê-lo, já que ninguém ali o fez. Peguei nos cantos do saco com toda a força e o joguei sobre sua cabeça. O problema é que o volume ficou mal distribuído, não houve o ponto de equilíbrio. O peso ficou maior na frente e a primeira conseqüência disso foi o deslocamento do chapéu que ele usava como rodilha. A aba tapou-lhe a visão. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Seu Pedro desembestou na direção da saída, nem deu três passos, estatelou-se sobre uma prateleira de garrafas.
Nesse ínterim entrou seu filho e frechou pra cima de mim cuspindo impropérios. A culpa foi sua! Você derrubou papai seu imbecil. Só quis ajudar, defendi-me. E quem foi que pediu a sua ajuda, atoleimado. Para não brigar saí dali com dó do pai e muita raiva do filho.
Um bom tempo havia se passado desde àquele fatídico episódio, mas a lembrança do fato ainda me causava indignação. Mal sabia eu, que o destino me prepararia uma situação parecida.
Certo dia viajava numa excursão religiosa à Serra do Lima para pagar uma promessa feita pela minha mãe à Nossa Senhora dos Impossíveis. O veículo que nos conduzia era o Misto de Seu João Birrada, uma espécie de pau de arara, que transporta conjuntamente cargas e passageiros, muito comum no interior do nordeste. Ao chegarmos ao local, desci do carro e fiquei perto dele esperando minha mãe. Nesse instante uma senhora gorducha tentava descer do veículo. Ela passou a perna por sobre a grade da carroceria, girou o corpo desastradamente buscando encontrar o degrau da escadinha de ferro que auxiliava a descida. Pisou no vazio e ficou pendurada. Tive o ímpeto de ajudá-la, mas meu instinto solidário foi logo contido pela minha razão - é que a consciência racional aprende com a experiência – e antes que alguém pudesse socorrê-la ela se esborrachou. Eu, que pela posição em que me encontrava reunia as maiores chances de socorro, fui novamente alvo de agressão verbal. Por que você não ajudou seu bruto dos infernos, egoísta nojento? E olha que dessa vez os impropérios eram coletivos.
Não disse palavra. Minha atitude não era digna de defesa e até me penitenciei pela minha inércia, pela minha indolência voluntária. Lembrei-me do outro caso. Ali pequei pela ação, aqui pela omissão. Baixei a cabeça e saí dali pensando no que dizia minha avó: “Uns choram porque apanham, outros porque não lhes dão”.
domingo, 31 de maio de 2009
CRÔNICA
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O Reporter
Marcadores: Cultura
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